Aplicação intertemporal de regimento e outras questões tributárias

O Regimento Interno do Carf (Portaria MF 343/15) foi alterado em 15 de fevereiro de 2016 (Portaria MF 39/16), modificando dois procedimentos recursais, o que provocará uma reflexão sobre o efeito nos recursos protocolizados, já que uma inovação foi restritiva e a outra permissiva para os recorrentes.

A primeira alteração do RICARF tratou da admissibilidade dos Embargos de Declaração, que estava assim normatizada: Art. 65, § 3º O Presidente não conhecerá os embargos intempestivos e os rejeitará, em caráter definitivo, nos casos em que não for apontada, objetivamente, omissão, contradição ou obscuridade.

Logo, o presidente de Turma não poderia mais negar monocraticamente trânsito a nenhum Declaratório se o recorrente apontasse o defeito. Bastava apontar, que estaria cumprido o requisito recursal, mesmo que fosse manifesta a improcedência do recurso.

Na Análise de Sugestões do Regimento Interno 2015, resultado da consulta pública sobre o atual RICARF, consta esta referência sobre a inovadora limitação à apreciação subjetiva do presidente, para permitir apenas o crivo objetivo: “Entende-se que a competência para realizar exame de admissibilidade de embargos é do presidente do colegiado. Entretanto, alterou-se para deixar um critério objetivo para a indicação da manifestação sobre tal admissibilidade”.

O que foi destacado neste julgamento de rejeição de Declaratórios, ao registrar que, na fase de admissibilidade, o regimento foi observado e não se tentou analisar se efetivamente existiriam omissões:

Acórdão 3401-003.078 (publicado em 16.02.2016)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. TEMA SOBRE O QUAL DEVERIA O COLEGIADO SE MANIFESTAR.

Os embargos de declaração prestam-se ao questionamento de omissão sobre tema em relação ao qual deveria o colegiado se manifestar, e não a questionamentos sobre temas colaterais ou secundários ao julgamento do processo.

Voto (…)

Como se destacou no exame de admissibilidade, lá não se estava a verificar efetivamente se houve omissões, mas se estas haviam sido objetivamente apontadas.

Agora, o presidente readquire a tradicional atribuição de poder adiantar o mérito de improcedência, conforme a inovação regimental restritiva: Art. 65, § 3º. O Presidente não conhecerá os embargos intempestivos e rejeitará, em caráter definitivo, os embargos em que as alegações de omissão, contradição ou obscuridade sejam manifestamente improcedentes ou não estiverem objetivamente apontadas.

Ficando como ponto para discussão se a nova ampliação de atribuição, vigente a partir de 15 de fevereiro de 2016, só poderá ser exercida para os Declaratórios protocolizados a partir desse março (tempus regit actum); ou se aplicaria para os Declaratórios pendentes de admissibilidade, principalmente para eventuais recursos anteriores ao novo RICARF, quando também era possível inadmitir pelo mérito (artigo 65, § 3º da Portaria MF 256/09).

A segunda alteração do RICARF tratou do conhecimento do Recurso Especial de divergência, que estava assim normatizado: Art. 67, § 1º Não será conhecido o recurso que não demonstrar de forma objetiva qual a legislação que está sendo interpretada de forma divergente.

Logo, quanto à via especial, passou a ser possível interpretar que seria necessário comprovar que acórdãos, recorrido e paradigma, teriam que divergir e versar exatamente sobre as mesmas normas. O que provocaria a inadmissibilidade de recursos como o abaixo julgado, que tinha como objeto os juros de mora sobre multa de ofício; mas com paradigma abordando a correção da multa de um tributo e, o recorrido, de outro.

Porém, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf, para justificar a excepcionalidade de admissão de REsp que não apresentou a divergência com exata similitude, ressalvou que o preceito ainda não estava vigente ao tempo da protocolização; portanto, aceita divergência quanto à questão jurídica de maneira ampla:

Acórdão 9303-003.385 (publicado em 12.02.2016)

RECURSO ESPECIAL DE DIVERGÊNCIA. REGIMENTO ANTERIOR AO APROVADO PELA PORTARIA MF Nº 343, DE 2015.

A obrigatoriedade de demonstrar a divergência relativamente a determinado dispositivo legal só foi incluída no RICARF aprovado pela Portaria MF nº 343, de 2015.

Até então, a admissibilidade do recurso estava condicionada à demonstração de que outro Colegiado, dentre os elegíveis regimentalmente, interpretou a legislação (em sentido amplo) de maneira diversa da consignada no acórdão recorrido.

Voto (…)

Cabe aqui relembrar, inicialmente, que, à época da apresentação do recurso especial não estava em vigor o § 1º do art. 67 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, aprovado pela Portaria nº 343, de 2015.

Assim, não havia necessidade de se demonstrar que, analisando especificamente determinado dispositivo legal, outro colegiado chegou à conclusão diversa da assentada no paradigma. Bastava demonstrar que, diante das mesmas circunstâncias fáticas, operou-se interpretação da legislação (lato sensu) diversa daquela assentada no acórdão recorrido.

Consequentemente, também, não era necessário demonstrar qual foi o “caminho” seguido pelo acórdão paradigma para chegar a determinada conclusão, basta provar que outro colegiado chegou a essa conclusão, ainda que por meio da aplicação de parte dos dispositivos citados no recurso. (…)

Assim, à luz das normas regimentais, não há como deixar de reconhecer que o recurso especial da Fazenda Nacional preenche os requisitos de admissibilidade, o que me faz dele conhecer.

Agora, com a inovação regimental permissiva, ficou assim: Art. 67, § 1º. Não será conhecido o recurso que não demonstrar a legislação tributária interpretada de forma divergente.

Podendo-se argumentar que o sutil ajuste permite que a divergência ocorra quanto a uma questão da legislação tributária, sem cobrar que a apreciação envolva obrigatoriamente os mesmos e exatos preceitos na discussão da causa.

Mas novamente restando a indagação se a anterior interpretação restritiva permanece incidindo para os recursos protocolizados durante a vigência da redação original do RICARF.

Decisões variadas
a) No Acórdão 9101-002.231 (publicado em 20.2.2016), a CSRF do Carf consigna que, se o próprio contribuinte permitiu ao fisco a descoberta da falta de recolhimento pelo confronto de declarações, não cabe qualificar a multa e tratar o caso como sonegação, independentemente de reiteração; assim ementado: “Inexiste a sonegação tipificada nos termos do art. 71 da Lei 4.502, de 1964, quando o sujeito passivo dá conhecimento à autoridade fazendária, por meio da DIPJ, do que está sendo exigido no lançamento de ofício”.

b) Na Apelação 0006359-52.2015.4.03.6100 (publicada em 17.2.2016), decisão monocrática no Tribunal Regional Federal da 3ª Região mantém extinção de mandado de segurança porque, após uma autuação ser julgada pelo Carf, é ilegítimo e não pode mais ser apontado, como autoridade coatora em relação a discussão de auto de infração, o Delegado da Receita Federal ou o Procurador Chefe da Fazenda Nacional; assim fundamentada: “O CARF, ao analisar o recurso em apreço, manteve, por maioria de votos, a decisão da DRJ. (…) Assim, verifico assim, que as partes indicadas no presente mandamus são ilegítimas para atuar no polo passivo da demanda”.

Fonte: ConJur