Desmembramento de inquéritos e ações penais pelo STF: um novo tempo?

Pautas recorrentes ao longo de 2013 voltaram a ocupar os trabalhos do Pleno do STF (Supremo Tribunal Federal) neste início de ano judiciário: recursos extraordinários com repercussão geral, em matéria tributária – versando uns sobre anterioridade nonagesimal para cobrança da contribuição ao PIS (Programa de Integração Social), outros sobre imunidade de entidades filantrópicas em relação à mesma contribuição – além de recursos no bojo da Ação Penal 470 – desta vez, agravos regimentais interpostos em face de decisões do Relator que não haviam admitido embargos infringentes contra as condenações de 4 dos 38 réus da ação. Foram os debates havidos por ocasião do julgamento de um recurso no âmbito de um inquérito, no entanto, que se destacaram nesse cenário, nem tanto pela conclusão alcançada no caso concreto, mas principalmente pela fundamentação da decisão e pelo alcance que se lhe pretende dar. Trata-se do julgamento de agravo regimental interposto contra decisão que havia determinado o desmembramento de inquérito em que figuram como investigados um membro do Congresso Nacional e um servidor da Casa legislativa a que pertence o parlamentar em questão (Inq 3.515 – AgR, Rel. Min. Marco Aurélio).

Em decorrência de episódio ocorrido em fevereiro de 2.012, envolvendo um Deputado Federal e um servidor da Câmara dos Deputados, foi instaurado inquérito para apuração de suposta prática de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, tendo o juízo de primeira instância, em julho daquele mesmo ano, determinado a remessa do procedimento ao STF, à vista da prerrogativa de foro de que goza o parlamentar, nos termos da Constituição (art. 102, I, b). Em março de 2.013, o Relator do caso no Tribunal determinou, em decisão monocrática, que se procedesse ao desmembramento do inquérito, de forma que o procedimento permanecesse no STF apenas em relação ao Deputado, devendo ser conduzidos pelo juízo de primeira instância todos os atos relativos ao outro investigado, o servidor da Câmara – “cidadão que não goza da prerrogativa de ser investigado sob os auspícios do Supremo”, como pontuado na decisão. Diante disso, o Ministério Público Federal interpôs agravo regimental, com vistas a manter a unicidade do inquérito perante o STF, sob a alegação de que a natureza do fato que levou à sua instauração recomendaria a investigação conjunta das condutas dos envolvidos, sob pena de prejuízo à formação da convicção quanto à conduta delitiva do parlamentar.

A problemática que se apresentou aos Ministros no Inq 3.515-AgR gira em torno da competência da Corte para julgamento de autoridades que gozam de prerrogativa de foro – determinada pelo art. 102, I, alíneas b e c, da Constituição e que, nos termos da jurisprudência do STF, abrange tanto o inquérito quanto a ação penal – e, mais especificamente, diz respeito à validade, perante o ordenamento jurídico, das situações em que pessoas outras que não essas autoridades acabam por se submeter à jurisdição do Tribunal, em virtude de terem incorrido em condutas relacionadas às dos agentes que detêm a prerrogativa de foro.

O Relator, Min. Marco Aurélio, foi bastante objetivo ao proferir seu voto. Após um breve relatório, limitou-se a reiterar a decisão agravada, no sentido de manter o desdobramento do inquérito, por entender que a competência do STF, definida por prerrogativa de foro, é de “direito estrito”, não se lhe aplicando as regras processuais de conexão e continência, razão pela qual desprovia o agravo regimental. E assim procedeu porque, em verdade, de há muito já é conhecido o posicionamento do Ministro, que se tem mantido consistente ao longo do tempo nessa questão, no sentido de entender que a competência originária do STF para investigação, processamento e julgamento criminal restringe-se às situações taxativamente previstas na Constituição, não podendo ser estendida a terceiros, adotando, como consequência, postura de não admitir hipótese alguma de investigação ou processamento conjunto de autoridades com prerrogativa de foro e indivíduos que não a possuam.

Diversa no modo e em fundamentos, embora não na conclusão alcançada em relação ao caso específico, foi a manifestação do Min. Roberto Barroso, que, em seu voto, mais do que simplesmente resolver a questão concreta que ali se punha – a manutenção ou reforma da decisão que havia procedido ao desmembramento do inquérito – houve por bem discorrer mais detidamente sobre a problemática que lhe é subjacente. Afirmou tratar-se de questão “extremamente relevante”, mas “um pouco desarrumada, com idas e vindas da jurisprudência”, de forma que efetuaria uma “análise sistemática da evolução jurisprudencial do STF na matéria, tanto para firmar sua própria convicção, quanto para propor o estabelecimento de parâmetros objetivos para o tema”.

O Min. Roberto Barroso asseverou, de início, que a variação de critérios adotados pela jurisprudência, para decidir quanto ao desmembramento de inquéritos e ações penais em que figuram como investigados ou réus pessoas que possuem prerrogativa de foro ao lado de outras que não a detêm, tem resultado na aplicação de um critério ad hoc (para solução do caso específico), tanto pelo STF, quanto pelo Ministério Público, que por vezes pede, outras não, o desmembramento.

Salientou, a esse propósito, que “julgados mais antigos” aplicavam a esses casos o art. 80 do CPP (Código de Processo Penal) – segundo o qual “será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação” – o que permite que o desmembramento se dê com base em um juízo de conveniência, sendo a hipótese mais comum a de desmembramento determinado por se ter um grande número de pessoas envolvidas. Essa “linha de atuação”, nos dizeres do Ministro, daria a entender que a decisão pelo desmembramento no STF seria excepcional, “regida por uma avaliação de conveniência” da Corte, tanto que, na maior parte dos casos, o desmembramento efetivamente não ocorria.

O Min. Roberto Barroso, então, “com todas as vênias”, teceu uma crítica a esse posicionamento, ao destacar que, ainda que a lógica do desmembramento como exceção possa ser aplicável em relação aos órgãos jurisdicionais de primeiro grau, o “raciocínio” não atribuiria a devida relevância “ao caráter manifestamente excepcional do foro por prerrogativa de função e, por consequência, da competência do Supremo para processamento de inquéritos e ações penais”. Abriu, assim, caminho para observar que, “embora essa linha de atuação não tenha sido formalmente abandonada”, votos e decisões “mais recentes” têm optado por uma linha diversa, acentuando a excepcionalidade da prerrogativa de foro e, em função disso, “sustentando que o desmembramento há de ser a regra, e não a exceção”.

Em reforço à leitura que fazia da jurisprudência do STF na matéria, o Ministro fez alusão a decisões, das quais destacou trechos, em especial de relatoria dos Ministros Ricardo Lewandowski (“o desmembramento deve ocorrer, a menos que a conduta dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por demais complexo individualizar a participação de cada um dos envolvidos”) e Marco Aurélio (com ênfase no que seria uma posição mais “extremada”, no sentido de entender pela necessidade de desmembramento mesmo nos casos de conexão e continência, de que cuidam os artigos 76 e 77 do CPP, o que seria compatível com o entendimento quanto à improrrogabilidade da competência do STF, cujas hipóteses estão definidas taxativamente na Constituição).

Ao fim de sua análise, mas ainda antes de apresentar sua proposta, o Min. Roberto Barroso não se furtou a apontar, como amostras, a seu ver, da oscilação e indeterminação da jurisprudência na matéria, as decisões tomadas a esse respeito, de um lado, na Ação Penal 470 – em que teria prevalecido uma “mescla de critérios” objetivo e subjetivo, para decidir pelo processamento e julgamento conjunto de ação complexa, envolvendo 38 réus, a quem eram imputadas variadas condutas criminosas e dos quais 6 originalmente gozavam de prerrogativa de foro – e, de outro lado, em inquérito em que se apurava conduta delitiva de um grande número de investigados, dos quais apenas um era então detentor de prerrogativa de foro perante o STF – situação esta que teria determinado o desmembramento do inquérito e prosseguimento, no Tribunal, apenas dos atos relativos a esse agente e que viriam a resultar na Ação Penal 536, em que figura como réu um ex-Governador de Estado, hoje Deputado Federal, ação que, atualmente, se encontra em fase de alegações finais, sob a relatoria do próprio Min. Roberto Barroso.

Feita essa digressão, o Ministro propôs um “encaminhamento” da questão nos seguintes termos: “que se estabeleça o critério de que o desmembramento seja a regra geral, admitindo- se exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que o julgamento em separado possa ocasionar prejuízo relevante à prestação jurisdicional”. E prosseguiu, afirmando que “o momento mais propício para se avaliar a necessidade de julgamento conjunto, afastando portanto a regra geral, tende a ser o momento anterior ao recebimento da denúncia”; com isso, permite-se “que a investigação se desenvolva de forma mais ampla, evitando-se o seu fracionamento, sem prejuízo de que o desmembramento possa ser determinado em momento anterior”, nas situações em que seja possível “identificar, de plano, a inexistência de prejuízo para o exercício da jurisdição”.

Por considerar que o desmembramento deva ser a regra, o Ministro foi além e afirmou que sua determinação “independe de requerimento do Ministério Público” – mas fez questão de ressalvar que isso não importaria em “desmerecer” a “posição privilegiada” da instituição “para avaliar as circunstâncias fáticas e, com base nisso, postular o desmembramento ou eventual processamento conjunto de todos os envolvidos, incluindo os que não detêm prerrogativa de foro”.

Voltando, então, àquilo que era efetivamente objeto de julgamento e já aplicando o encaminhamento proposto para enfrentamento de questões da mesma natureza doravante, o Min. Roberto Barroso concluiu que não verificava, no caso do Inq 3.515, existir situação excepcional que pudesse impedir o seu desmembramento. Remetendo ao breve relatório feito inicialmente pelo Min. Marco Aurélio, apontou que o inquérito envolve apenas 2 agentes, não havendo “elementos objetivos que demonstrem uma especial imbricação de suas condutas, sendo perfeitamente possível individualizar suas respectivas participações e responsabilidades”, razão pela qual negava provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal.

A proposta do Min. Roberto Barroso suscitou manifestações de apoio explícito de alguns membros da Corte, que chegaram, inclusive, a sugerir pontos de “reflexão” sobre aquilo que acabara de ser dito. Assim, o Min. Ricardo Lewandowski salientou que já adota critério semelhante ao agora proposto como “regra”, pelo Min. Roberto Barroso, mas que, em relação ao momento da decisão sobre o desdobramento, tem adotado postura na linha de que seja “o mais precoce possível”, e não apenas antes do recebimento da denúncia, porque dessa forma se permite que todos os incidentes da investigação sejam determinados pelo juízo de 1º ou 2º grau, ou até superior, conforme o caso, mas não pelo STF, que está “assoberbado” com o processamento de feitos dessa natureza.

Também o Min. Teori Zavascki asseverou que, a seu ver, “o desmembramento deve ser feito prontamente, assim que se constatar a falta desses elementos objetivos que determinariam a investigação ou o processamento conjunto” do feito. Salientou que não se trata de uma questão de conveniência, para evitar eventual sobrecarga do STF, e sim “de se fixar o juiz natural” para a causa – em referência ao princípio inscrito no art. 5º, LIII, da Constituição (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”). “Se o STF não é competente para o julgamento, deve-se desde logo remeter o feito para quem o seja, exatamente porque, no curso da investigação, devem ser tomadas providências instrutórias que demandam decisão judicial”, a ser tomada, portanto, pelo órgão julgador competente.

A Min. Rosa Weber, a seu turno, afirmou que, até porque não tem “nenhuma simpatia pelo instituto da prerrogativa de foro”, não teria “dificuldade alguma” em se “adequar aos critérios” que, de certa forma, já adota, propostos pelo Min. Roberto Barroso, com a ressalva de que “quanto antes” se puder desmembrar, “melhor”.

Diante das ponderações efetuadas por alguns de seus pares, em que considerava haver um “relativo consenso” no sentido de que “o desmembramento deva ocorrer o mais cedo possível”, e “para que fique documentado”, o Min. Roberto Barroso observou que “ajustará” a “passagem da manifestação” referente ao momento para decidir sobre o desdobramento de inquéritos e ações penais, de forma que “possa funcionar como um roteiro” que os Ministros terão, “já tendo levantado a jurisprudência”.

Colhidos os votos dos demais Ministros presentes à sessão – e que se restringiram a afirmar que acompanhavam o Relator, sem se pronunciarem sobre o encaminhamento geral proposto pelo Min. Roberto Barroso – o Pleno decidiu, à unanimidade dos presentes, por negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, ficando mantida a decisão que determinara o desmembramento do Inq 3.515.

O encaminhamento proposto pelo Min. Roberto Barroso e chancelado pela manifestação de alguns de seus pares enseja, desde logo, algumas considerações e uns tantos questionamentos, tanto de forma como de conteúdo.

Em primeiro lugar, no que se refere ao alcance do “encaminhamento proposto”, é de se salientar que tudo quanto afirmado acerca do desmembramento de inquéritos e ações penais como “regra geral”, em verdade, apenas integrou a fundamentação (não o dispositivo) de uma decisão adotada em um caso concreto, não tendo o condão, por si só, de produzir efeitos para além do próprio caso. Ou seja: não se projeta automaticamente para outros casos (passados, presentes ou futuros), formalmente não atinge terceiros, não vincula Ministério Público, não vincula outras instâncias judiciais, não obriga sequer os próprios Ministros do STF. É uma limitação natural das decisões proferidas em casos concretos, que, salvo nas hipóteses em que se reconhece a existência de repercussão geral das questões constitucionais neles suscitadas (CRFB, art. 102, parágrafo 3º), não produzem efeitos para além dos seus próprios muros, embora possam ter, é fato, um certo poder de persuasão ou sedução, especialmente em se tratando de um julgado do órgão de guarda da Constituição.

De efeito prático, por enquanto, o encaminhamento em questão se traduzirá em uma espécie de “código de conduta”, pelo qual hão de se pautar, além do Ministro proponente, aqueles que com ele concordarem – como já assentiram, inclusive, os Ministros Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber. Somente a partir do momento em que esse entendimento se fizer sentir de maneira reiterada e consistente em julgamentos efetivos da Corte – que possui outros Ministros, 3 dos quais, como dito, não se manifestaram a respeito e outros 3, é de se anotar, não estavam presentes à sessão, naquele momento – somente então é que se poderá pensar em começar a falar de um entendimento jurisprudencial sobre a matéria.

Mas há, nesse passo, um outro conjunto de observações a serem feitas e que dizem respeito ao mérito, propriamente, da solução proposta como encaminhamento geral aos Ministros do STF.

Ao entender que a regra é o desmembramento e que a unicidade do inquérito ou ação penal somente se justificaria na hipótese de os fatos estarem de tal modo imbricados que não se poderia apurá-los ou processá-los sem prejuízo para a prestação jurisdicional, a proposta deixou de considerar outras situações que, nos termos da legislação processual penal, poderiam, em princípio, determinar o processamento conjunto da investigação ou ação. A única exceção, nessa linha adotada, capaz de afastar o desmembramento não abarca todas as hipóteses de conexão e continência previstas no CPP (artigos 76 e 77), sendo portanto mais restritiva do que estas. Seria lícito concluir que esse entendimento produziria, então, como efeito a inaplicabilidade ou, no mínimo, redução do alcance normativo dessas regras do CPP em relação aos inquéritos e ações penais originárias do STF? Parece ser uma consequência lógica do raciocínio, que não admite nenhuma outra exceção senão a que a própria proposta enuncia – inaplicabilidade que, por outro lado e por razões diversas, como explicitado acima, é extraída pelo Min. Marco Aurélio, radicalmente contrário a qualquer processamento perante o STF de feitos que alcancem pessoas que não possuem prerrogativa de foro.

E se o efeito for o de considerar inaplicáveis ou reduzir o alcance das normas de conexão e continência, surge aqui uma outra questão. O STF possui entendimento sumulado, curiosamente não abordado por nenhum dos Ministros que se manifestaram sobre o assunto, pelo qual não apenas se reconhece a aplicabilidade de regras de conexão e continência a processos sujeitos a prerrogativa de foro, de forma a atrair para a jurisdição especial terceiros que não disporiam da prerrogativa, como ainda se afirma textualmente, no enunciado, que essa possibilidade não afronta princípios constitucionais basilares do processo, dentre os quais o do juiz natural, este sim levantado nos debates havidos no julgamento do Inq 3.515-AgR. Cuida-se da Súmula 704 do STF, segundo a qual “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados”. Com base em referida Súmula, editada no ano de 2.003, foram adotadas diversas decisões que admitiram o processamento, perante o STF, de indivíduos que não gozavam de prerrogativa de foro, em virtude da ocorrência, notadamente, de hipóteses de conexão com as condutas de agentes que dispunham da prerrogativa.

O encaminhamento proposto, se não colide frontalmente, tampouco se amolda ou subsume ao enunciado da Súmula 704, na medida em que reduz sua amplitude. Talvez não se chegue a cancelá-la, mas, para se dar ao entendimento proposto o alcance pretendido, de “roteiro” para decisões futuras, não seria talvez o caso de propor sua alteração? A alteração e o cancelamento de enunciados sumulados do STF obedecem a procedimento previsto em seu Regimento Interno, exigindo, entre outros requisitos, deliberação em Plenário (art. 7º, VII), por maioria absoluta dos membros do Tribunal (art. 102, parágrafos 1º a 4º), podendo qualquer Ministro propor a revisão da jurisprudência compendiada na Súmula (art. 103).

Outra questão ainda se poderia acrescentar a esse quadro. Na hipótese de vir a prevalecer como entendimento jurisprudencial consolidado, o raciocínio adotado no encaminhamento proposto pelo Min. Roberto Barroso seria restrito a inquéritos e ações de competência do STF ou teria o condão de se espraiar para todas as situações em que outros órgãos judiciais, por expressa determinação constitucional, possuem competência originária para o processamento e julgamento de autoridades por infrações penais, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, a) ou dos Tribunais Regionais Federais (art. 108, I, a)? Seria, portanto, algo passível de reprodução no âmbito desses outros Tribunais ou, contrariamente, peculiar à competência do próprio STF determinada pela prerrogativa de foro?

A esse propósito, inclusive, uma outra variável se impõe, e que não foi enfrentada pelo encaminhamento proposto para ser adotado como regra geral: a das situações em que são apuradas as condutas de agentes que gozam de prerrogativa de foro em órgãos diferentes. Já houve situações em que prevaleceu a unicidade da investigação e da ação penal, mesmo diante de dois réus com prerrogativa de foro em órgãos judiciais diferentes, em função da conexão verificada no caso, fixando-se a competência para processamento no órgão de instância superior (Inq 2.424, rel. Min. Cezar Peluso; HC 91.437, Rel. Min. Cezar Peluso; HC 83.583, Rel. Min. Ellen Gracie; HC 89.417, Rel. Min. Cármen Lúcia). Estariam os detentores de prerrogativa em outros órgãos judiciais “enquadrados” no conceito esposado, no encaminhamento proposto, de indivíduos que não gozam de prerrogativa de foro? Ou sua situação seria distinta e, nesse caso, a “regra geral” comportaria outra exceção?

A certeza maior é a de que a problemática que os Ministros se propuseram a enfrentar está longe de ser isenta de dificuldades. E mais: as comparações das conclusões ventiladas no julgamento do Inq 3.515-AgR como proposta de “futura conduta geral” com as decisões já adotadas em casos concretos passados e de grande repercussão – jurídica, social e política – são, cabidas ou não, inevitáveis.

O Min. Marco Aurélio, desde sempre grande crítico do que considera uma casuística excessiva na jurisprudência do STF na matéria, em julgamento realizado em dezembro de 2.012 (AP 666-AgR, de sua relatoria), preconizou aos colegas, em meio a caloroso debate: “precisamos adotar uma diretriz, não podemos ficar variando conforme as peculiaridades do caso. Sob o ângulo subjetivo, desmembrar – sendo muitos os acusados –, ou manter-se no Tribunal – sendo poucos”. E mais adiante: “não podemos ficar sem um critério minimamente objetivo, variando conforme o número de acusados”. A proposta encaminhada pelo Min. Roberto Barroso, a par dos questionamentos que possa suscitar, viria, de certa forma, a atender a esses apelos, na medida em que, como salientou o Min. Ricardo Lewandowski, se proporia a estabelecer “critérios mínimos” para decisões na matéria.

Já alguns anos antes, ao fim de julgamento ocorrido no início do segundo semestre de 2008, em que o Relator, então Min. Menezes Direito, com sucesso encaminhara a questão no sentido do desmembramento de investigação que envolvia 23 indivíduos, dos quais apenas um com prerrogativa de foro perante o STF (Inq 2.706-AgR), o mesmo Min. Marco Aurélio, sem esconder o entusiasmo com o resultado, vaticinou: “creio que chegará o dia em que somente serão mantidos no Tribunal inquéritos e processos criminais que envolvam os detentores de prerrogativa de foro”.

Agora, neste início de 2014, diante da disposição demonstrada por alguns membros da Corte em relação ao tema, a pergunta que não quer calar é: estará esse dia próximo de chegar?

Fonte: Última Instância