Morre Hugo Chávez, nasce o chavismo?

Morreu Hugo Chávez! Após quase catorze anos no poder, não foi deposto, foi vencido pela doença, que o levou ao mesmo tempo em que o imortalizou. O ditador transformou-se num mártir, chorado por seus conterrâneos.

Sua figura rocambolesca, sustentada por seu popularismo, escondia a faceta tirânica e o projetava como líder de uma América Latina ansiosa em lutar contra o capitalismo em crise. As ações de cunho assistencialista alimentavam a esperança popular de uma construção social perfeita sempre por ser atingida, porém, muitíssimo difícil de alcançar, o que exigia dele a permanência no poder. Ele precisava participar ativamente da reestruturação de seu país, necessitava lutar contra o imperialismo americano, causador de todos os males – até mesmo de seu câncer, como afirmou o vice-presidente venezuelano ao se referir aos “inimigos”.

A última eleição serve como um estudo de teoria constitucional. Eleito em outubro de 2012, Chávez deveria estar presente em sua posse em janeiro, mas estava internado em Cuba. Segundo a constituição, assumiria o presidente da Assembleia Nacional (o Congresso Nacional venezuelano) e novas eleições seriam convocadas em trinta dias. Não foi assim que aconteceu.

Mesmo sem sua presença, a “posse” ocorreu, pois o novo mandato se iniciou por autorização do Tribunal Supremo de Justiça, que permitiu ser o ato efetivado em data posterior. Foi uma posse sem corpo, mas viva na imagem de Chávez.

Os discursos longos, exasperados, vigorosos eram sua marca. Quem se esquecerá do cheiro de enxofre percebido na assembleia da ONU em 2006, um dia após o discurso de Bush, então presidente americano? Quem deixará de lembrar-se do cheiro de esperança em 2009, já no governo Obama? Falatório retórico, marcados por citações de pensadores e filósofos, sem qualquer conexão, mas que o colocavam como um paladino na luta contra a tirania. Por isto não se calou, como o quis o rei da Espanha na XVII Conferência Ibero-Americana em 2007.

Porque havia aqueles que o ouviam e acreditavam em suas falas e programas de cunho supostamente social, que, segundo fontes venezuelanas, tiraram os cidadãos da pobreza, mas, conforme outros dados, deixaram o país em péssima situação econômica – mesmo sendo exportador de um dos principais insumos, que é o petróleo, produção que decaiu ao longo dos últimos anos de seu mandato.

Morto o homem, permanece a ideologia. O chavismo é agora visto como sua herança. Mas quem será seu inventariante?

O enigma da transição – diga-se não só presente na Venezuela, mas em todo o mundo, que vivencia uma crise de mudanças estruturais – é angustiante. A população, principalmente da classe mais pobre, não quer perder o pouco e aparente poder de consumo que conquistou.

O chavismo – repita-se, de fundo assistencialista, mascarado com seu falso modelo econômico de sustentabilidade – permanecerá enquanto o sucessor de Chávez souber articular sua dinâmica e a população desvalida chorar a morte de seu ídolo, enquanto durar o nojo. Depois, talvez, seja a troca de um significado desse sentimento por outro.

Fonte: Última Instância