A IMUNIDADE DAS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ÀS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL

Parte I

CONTRIBUIÇÕES ABRANGIDAS PELA IMUNIDADE

O art. 195, §7º, da Constituição Federal determina que:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

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§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”

A primeira questão que se levanta é: existe diferença entre contribuições sociais e contribuições para a seguridade social?

A leitura conjunta do caput do artigo 195 e do parágrafo sétimo não nos deixa dúvidas. Fossem estes os únicos dispositivos constitucionais a tratar do tema, afirmaríamos que os termos foram utilizados para designar um mesmo tipo de tributo, e que, portanto, seriam sinônimos.

Ocorre que o artigo 149 da Constituição Federal trouxe norma de competência para a União instituir contribuição do interesse das categorias profissionais ou econômicas (art. 149, terceira parte), contribuição de intervenção no domínio econômico (art. 149, segunda parte e parágrafos 2º, 3º e 4º), e as contribuições sociais.

Após anos de discussão, firmou-se o entendimento de que as contribuições sociais previstas no artigo 149 da Constituição Federal não são sinônimas das contribuições sociais previstas no artigo 195, da Constituição Federal. Em síntese, hoje o pensamento majoritário da doutrina e o posicionamento da Jurisprudência é de que as contribuições sociais são o gênero, da qual as contribuições de seguridade social são uma espécie.

Tal idéia traz como consequências: (i) a premissa de que o Legislador Constituinte se equivocou na denominação do caput do artigo 195, pois deveria ter escrito “contribuições de seguridade social”; e (ii) a necessidade de se encontrar um critério jurídico para distinguir as contribuições sociais ditas “gerais”, das contribuições de seguridade social.

Entendemos que, ao se acatar a existência de distinção entre as ditas contribuições sociais gerais e as contribuições para a seguridade social, o critério deve ser a destinação constitucional do produto da arrecadação das contribuições. Esta posição é defendida, dentre outros, por José Eduardo Soares de Melo e Rogério Tobias de Carvalho , uma vez que a Constituição Federal somente veda vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesas e não de tributos (aí incluídas as contribuições).
O critério que encontramos na Constituição Federal para distinguir as contribuições de seguridade social, espécie do gênero “contribuição social geral” está no conceito de direito social e seguridade social. Assim as contribuições sociais são aquelas destinadas ao financiamento dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados), excetuados os direitos relativos à seguridade social – espécie, previstos no artigo 194 (saúde, previdência e assistência social, sendo estes, por sua vez os do artigo 203 da CF). Em síntese, contribuições sociais gerais somente podem ser consideradas aquelas cujo produto da arrecadação seja destinado ao financiamento de ações que visem proporcionar: educação, alimentação, moradia, lazer e segurança. Por este prisma é inconstitucional a contribuição criada pela LC110/2001, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal por ter sido “classificada” como contribuição social geral nas ADIN’s 2.556-2 e 2.568-6.

No texto constitucional há normas de competência para a criação das contribuições de seguridade social: as contribuições sociais do artigo 195, inquestionáveis, incidentes sobre a folha de salários(e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício), faturamento (receita ou o faturamento) e o lucro. Mas há outras contribuições cujo produto da arrecadação é destinado ao financiamento da seguridade social: contribuição ao PIS, artigo 239; contribuição dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, art. 240; contribuição sobre movimentação financeira, artigo 84 e 85 do ADCT; além das contribuições de seguridade social cuja competência está prevista no parágrafo 4º, do artigo 195.

Sobre este tema específico há poucas posições publicadas e nenhum consenso entre as que encontramos:

Para Regina Helena da Costa a norma imunizante recai sobre as contribuições a cargo do empregador incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, receita ou faturamento e o lucro, além das “contribuições sociais que sejam instituídas como outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social…”. Com essa premissa, a referida autora conclui pela inclusão da CPMF (contribuição provisória sobre movimentação financeira) no rol das contribuições abrangidas pela norma imunizante objeto do presente estudo.

Rogério Tobias de Carvalho defende que estão abrangidas pela imunidade aquelas contribuições cujos fundamentos de validade estão nos artigos 149, 195 e 239 da Constituição da Federal de 1988, bem como artigos dos 84 e 85 do ADCT. Este autor, portanto, inclui no rol das contribuição abrangidas pela norma imunizante o PIS. Ele traz ainda outro critério, que é a administração dos recursos, razão pela qual exclui as contribuições destinadas ao chamado “sistema S”, previstos no artigo 240 da Constituição da Federal de 1988.

José Eduardo Soares de Melo não chega a fazer diferenciação entre contribuições sociais e de seguridade social, mas lista todas as contribuições que entende como sendo sociais. Em sua obra afirma que o salário-educação é contribuição social, pelo que se depreende que está dentre as contribuições abrangidas pela imunidade. Este autor deixa claro que são o PIS, CPMF, salário educação, SAT, contribuições sociais, com destinação para a seguridade social. Entretanto, tal autor, silencia quanto à contribuição destinada ao denominado “sistema S”, pois não incluiu estas contribuições entre as de intervenção no domínio econômico, nem tampouco, nas contribuições sociais.

Leandro Paulsen , ao comentar o artigo 240 da Constituição da Federal de 1988 que disciplinas as contribuições ao “sistema S”, defende que o constituinte outorgou caráter de contribuição à seguridade social.

Defendemos é que a imunidade do parágrafo 7º, do artigo 195, da Constituição Federal abrange todas estas contribuições de seguridade social .

A referida imunidade foi regulamentada pela lei ordinária 8.212 em 1991 e recentemente pela Lei 12.101 em 2009 , que, por sua vez foram “regulamentadas ” por vários decretos. Todavia, a Lei 8.212 determinou que são isentas das contribuições de que tratam os artigos 22 e 23 desta lei…, no que foi repetida pela Lei 12.101. Nos artigos 23 e 23 constam as seguintes contribuições: contribuição incidente sobre a remuneração (quota patronal), art. 22, I e III; contribuição para o seguro acidente do trabalho (SAT), art. 22, II; e COFINS (contribuição para o financiamento da seguridade social), art. 23, I; e CSSL (contribuição social sobre o lucro líquido), art. 23, II.

Ficaram a descoberto da lei regulamentadora da imunidade do artigo 195, §7º, da Constituição Federal as seguintes contribuições de seguridade social:
(i) Contribuição ao PIS;
(ii) CPMF;
(iii) Contribuições do parágrafo 4º do art. 195; e
(iv) Contribuição de terceiros (SENAC/SEXC/SEBRAE);

Quanto à contribuição ao PIS, desde 2002 defendemos está abrangida pela imunidade do artigo 195, §7º, da Constituição Federal.

O argumento é que, a partir de 1988, nos termos do artigo 239 da Constituição Federal, o produto da arrecadação do PIS passou a financiar, o programa do seguro-desemprego e o abono anual dos trabalhadores de baixa renda , típica atuação em assistência social.
Muito embora haja praticamente consenso nos Tribunais quanto à abrangência do PIS dentre as contribuições sociais, há lei determinando seu recolhimento pelas entidades beneficentes de assistência social à alíquota de 1%, incidente sobre a folha de salários.
O assunto é objeto de repercussão geral declarada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 636941.

Quanto à contribuição de terceiros, SESC, SENAC, SENAI, a questão é controvertida.

Isso porque, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284-8/CE, DJ de 28.08.1992, o Ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, classificou as contribuições de terceiros como contribuições sociais gerais.

Após esta decisão, muitos julgados têm repetido o voto referido (abaixo transcrito) como sendo um dogma e se valendo do mesmo como fundamento para negar os pedidos de imunidade:
(…) As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (CF, art. 145, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III), c.2.1.2 outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF art. 212, § 5º, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2 corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148).

Com todo respeito ao Ministro Carlos Velloso, a sua interpretação deve ser revisada, pois se em 1992 este era o entendimento, hoje já não se pode afirmar o mesmo.

Veja-se que o conhecimento, especialmente do direito, é condicionado pelo contexto da produção deste conhecimento.

Segundo TÁCIO LACERDA GAMA :
O conhecimento é condicionado pelo contexto de sua produção. No dizer de HANS-GEORG GADAMER todo saber é finito, pois marcado por sua historicidade(2). O sentido não resiste ao tempo, muda em razão das transformações de valores e de crenças da sociedade. Por isso, aquilo que se afirma como verdadeiro hoje só o será num dado contexto, segundo determinadas circunstâncias.

Passados mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 muitos estudos foram feitos sobre o tema, cumprindo citar a obra de Leandro Paulsen e do do Professor Ives Gandra da Silva Martins , que defendem que as contribuições para o “sistema S” (SENAI, SESC, SENAC) são efetivamente contribuições de seguridade social.

Defendemos esta posição porque estas contribuições visam financiar programas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho.
O art. 194 da Constituição Federal assem determina: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

Por sua vez, o artigo 203, III, da Constituição Federal assim esclarece:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

Interpretando conjuntamente estes dispositivos, se vê que claramente que eventuais contribuições criadas para a finalidade de obter recursos utilizados na formação profissional de trabalhadores, são contribuições destinadas à seguridade social. Portanto, contribuições de seguridade social.

Mas para acabar com qualquer dúvida o artigo 240 da Constituição Federal literalmente enquadra as contribuições ao “sistema S” como contribuições de seguridade social. Vejamos:

As competências tributárias são estabelecidas na Constituição Federal, que informa em que situações pode a União criar leis instituidoras de contribuições. Assim, na Constituição Federal há previsão, no artigo 195, da possibilidade de instituição de contribuições sociais, destinadas a financiar a seguridade social.

As hipóteses são previstas expressamente.
Porém, a Constituição Federal de 1988, mesmo tendo por base um Poder Constituinte Originário, respeitou muitos preceitos das Constituições antigas, especialmente leis que tinham fundamento de validade em constituições passadas.

Este é o caso das contribuições ao “sistema S”, que justamente para poderem ser recepcionadas validamente pelo sistema jurídico (sem serem derrogadas as leis respectivas), foram expressamente recepcionadas no artigo 240 da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

O que significa este dispositivo? Por óbvio que o artigo 240 informa a validade das contribuições já existentes concomitantes com as contribuições do art. 195.

Ao comentar o artigo 240 da Constituição da Federal de 1988 que disciplinas as contribuições ao “sistema S”, LEANDRO PAULSEN defende que o constituinte outorgou caráter de contribuição à seguridade social. Assim se manifesta:

“Exceção ao art. 195 da CF. Pressuposto e consequências. O artigo 240 da CF só faz sentido na medida em que considerarmos que o Constituinte compreendeu as contribuições dos empregados sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical como contribuições de seguridade social. Só nesta perspectiva é que poderíamos imaginar a incidência, relativamente a elas, no art. 195 da CF, afastada pela expressa disposição do art. 240. Seguiam, assim, contribuições assistenciais, buscando o atendimento dos objetivos elencados no art. 203, com destaque para a promoção da integração ao mercado de trabalho…”

Assim, entendemos e defendemos que as contribuições ao chamado “sistema S” têm natureza de contribuição de seguridade social e, portanto, estão dentre as abrangdas pela imunidade do artigo 195, §7º, da Constituição Federal.

Concluindo, entendemos que as entidades beneficentes de assistência social que se enquadrem no conceito previsto no artigo 195, §7º, da Constituição Federal são imunes a todas as contribuições de seguridade social, que são as previstas no artigo 195, I e II; contribuição ao PIS, artigo 239; contribuição dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, art. 240; contribuição sobre movimentação financeira, artigo 84 e 85 do ADCT; além das contribuições de seguridade social cuja competência está prevista no parágrafo 4º, do artigo 195.