Justiça do Trabalho e a competência para julgar ação em cobrança de honorários advocatícios

A ação em cobrança de honorários advocatícios, oriunda da relação de trabalho entre cliente e advogado, é tema de bastante controvérsia em Tribunais Regionais do Trabalho, TST e STJ.

Com a publicação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, inseriu-se no mundo jurídico uma discussão a respeito da nova área de atuação da Justiça Laboral, com especial destaque à inclusão da relação entre profissionais liberais e seus clientes.

É inegável que com a Emenda Constitucional nº.45/2004, o constituinte derivado teve a intenção de inovar e expandir a competência da Justiça do Trabalho de relações de emprego, para relações de trabalho. Alterou o critério subjetivo (relação entre empregador e empregado) para o critério objetivo, ou seja, lide originada da relação de trabalho.

Em recente decisão, a 5ª Turma do TST rejeitou a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação de profissional da advocacia contra o seu cliente, fundamentando sua decisão no argumento de que, nessas ações, não há propriamente uma relação de trabalho, e sim a prestação de serviços advocatícios, exercida por profissional autônomo diretamente contratado pelo destinatário final do serviço, caracterizando-se típica relação de consumo, regida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n°. 8.078/1990).

Não andou bem, ao que parece, a decisão acima mencionada ao entrever relação de consumo entre cliente e advogado, porque tal liame jurídico é regrado por Lei especial, qual seja, o Estatuto da Advocacia que, por si só afasta a incidência da lei consumeirista. A natureza jurídica da obrigação que afeta o causídico e seu constituinte é de meio, e não de resultado, de modo que este viés antológico torna-se incompatível com o CDC.

Dessa forma entendemos que não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n°. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados, como a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/§1º e 34/III e IV, da Lei 8.906/94), evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Tal entendimento também é adotado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O fato de serem aplicadas ao contrato de prestação de serviços as regras dispostas no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor ou mesmo em leis especiais atinentes ao profissional liberal não altera a natureza jurídica do pacto, que continua a gerar uma relação de trabalho. Não é, portanto, a fonte de direito material na qual se enquadra o pleito que tem força para estabelecer a competência, mas sim a expressa disposição no Texto Constitucional (art. 114, I, da CF) quanto à constatação da existência de uma relação de trabalho “latu sensu”.

Seguindo este raciocínio, a 7ª Turma do TST entende que a atual competência da Justiça do Trabalho (ampliada pela Emenda Constitucional n°. 45/2004) abrange controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação relativa a relação de trabalho.

Neste sentido, entendemos que a relação de trabalho pode ser definida como uma relação jurídica de natureza contratual entre trabalhador (sempre pessoa física) e aquele para quem presta serviço (empregador ou tomador de serviços, pessoas físicas ou jurídicas), que tem como objeto o trabalho remunerado em suas mais diferentes formas. Assim, essa relação não se confunde com a relação de consumo, regida pela Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pois na relação de consumo, o objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como pólos o fornecedor e o consumidor.

Importante, neste tema, aplicarmos a perfeita redação do art.   114, I, da CF, verbis: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:        I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004 – grifou-se)”.

Nota-se, claramente, que a locução da norma é relação de trabalho, e não vínculo empregatício, o que, por si só, já entremostra que houve dilargação da competência da Justiça do Trabalho.

Dúvidas não restam de que foi intenção das mudanças implementadas na Carta Maior, fazer da Justiça do Trabalho verdadeiramente uma justiça do trabalho e não só do emprego. Fica claro e evidente que a nova competência passou a contemplar a relação do advogado e seu cliente.

Portanto, inafastável se torna a viabilidade do advogado executar seus honorários perante a Justiça do Trabalho, uma vez que não se trata de relação de consumo e, mais ainda, está-se frente a nítida prestação de serviços, encartada na locução “relação de trabalho” grafada no art. 114,I, da Constituição Federal, não sendo possível admitir outra teoria, pois seria incongruente com os preceitos da Carta Maior.

Francisco Colles Aguiar

OAB/RS: 67.405