Inconstitucionalidade do §4°, do artigo 20, do Código de Processo Civil na parte que prevê a possibilidade de condenação da Fazenda Pública em percentual menor que 10% (dez por cento)

O objeto deste breve estudo é apresentar a tese da inconstitucionalidade do §4°, do artigo 20, do Código de Processo Civil na parte que prevê a possibilidade de condenação da Fazenda Pública em percentual menor que 10% (dez por cento).

O citado artigo assim prevê:

 

Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria.

§ 3º  Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos:

a) o grau de zelo do profissional;

b) o lugar de prestação do serviço;

c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

§ 4º. Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo anterior.

A regra para fixação dos honorários advocatícios é sua aplicação sobre o valor da condenação.

Esta regra que prevê que cabe ao Juiz a fixação dos honorários fora do patamar previsto para os particulares, parágrafo 3º do artigo 20, é absolutamente inconstitucional.

A regra ora em questão (§4°, do artigo 20, da Lei 5.869 – de 11-01-1973 na parte em que privilegia condenações contra a Fazenda Públicaafronta o princípio constitucional da igualdade.

Lembramos que esta regra foi editada sob os auspícios do ato institucional de 1969, uma Constituição imposta, criada sob a égide do pensamento totalitário, quando não se imaginava igualdade entre o Estado (todo poderoso) e os particulares.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, instituída por um Poder Constituinte Originário, todos são iguais perante a Lei, portanto, a condenação sucumbencial no processo civil tem de ser igual para o particular e para o Estado.

                                                O artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”. Esta garantia consta de todas as Constituições Brasileiras e é pilar do Sistema Constitucional Brasileiro.

Muito embora se entenda que esta garantia de isonomia não seja absoluta, pois há na própria Constituição Federal normas anti-isonômicas, não se admite que possa a legislador infraconstitucional criar normas discriminatórias.

No processo civil, a busca pela isonomia entre as partes é fundamental, tanto que se admitem regras que, em princípio desigualam as partes, como é o caso da inversão do ônus da prova para o consumidor, por exemplo.

Em suma, uma norma que em tese desiguala as partes pode ser isonômica, desde que o objetivo seja igualar partes desiguais.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[1], sobre este tema, entende que se deve indagar “se há justificativa racional para, à vista o traço desigualador adorado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada”.

Para CRISTIANE FLORES SOARES ROLLIN[2], “estará violada a garantia do tratamento isonômico sempre que não houver correlação lógica entre a norma que estabeleceu a desigualdade e o fator que a tenha ensejado”.

Quanto aos honorários advocatícios há extrema desigualdade entre as partes. O Contribuinte é muito mais frágil que a Fazenda Pública. Além da estrutura física, número de Procuradores, há o custo de um processo.

O fator que paulatinamente tem sido invocado para ensejar esta desigualdade na fixação de honorários sucumbenciais é “O INTERESSE PÚBLICO”.

Em nome do “interesse público” a lei processual concede este PRIVILÉGIO à Fazenda, que, na prática, determina a INEXISTÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA PARA A FAZENDA.

                                                Entendemos que a possibilidade legal de fixação de honorários advocatícios sucumbenciais inferiores a 10% contra a Fazenda Pública inegavelmente trata-se de um PRIVILÉGIO e não de prerrogativa.

ADA PELLEGRINI GRINOVER[3] distingue prerrogativas de privilégios nos seguintes termos: “As prerrogativas são instituídas em razão do interesse público e, por isso, são irrenunciáveis. Os privilégios, em contrapartida, são instituídos para proteção de interesses pessoais”.

interesse público é algo vago, seu conceito está embasado com o bem comum, outro instituto vago, onde cabe tudo e ao mesmo tempo, nada.

Em tese, se se pensar no conceito abrangente, sempre a Fazenda Pública tratará do interesse público, porém, isto não é verdade, pelo menos para justificar o privilégio de litigar com absurda e desigualitária vantagem de não pagar honorários nos mesmos patamares que o particular.

Para o particular, a condenação honorária – se vencido – será de 10% a 20% sobre o valor da condenação. Para a Fazenda, na mesma ação, a condenação poderá ser inferior a 10% do valor da condenação.

Esta diferenciação de tratamento afronta a garantia da isonomia processual e não se justifica, visto que neste processo a Fazenda atua no processo como parte e deve correr os mesmos riscos de sucesso ou insucesso na demanda.

Neste sentido lecionam ROGÉRIO DE LAURIA TUCCI E JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI[4]: não há como vislumbrar diferença, de que natureza seja, entre a sucumbência de um particular e a de uma pessoa jurídica de direito público, no processo civil. E isso, sobretudo, à vista do motivo determinante da adoção da regra da sucumbência, qual seja, a de que ao vencedor deve ser assegurada total reparação patrimonial dos encargos resultantes da demanda”.

ADA PELLEGRINI GRINOVER[5] sobre este tema assim afirma: “não se trata de levar em consideração o aparelhamento completo dos órgão estatais; não se trata, tampouco, de atentar para o interesse social ou bem comum. O que se pretende, simplesmente, é privar a parte contrária da parcela de honorários que receberia, se seu adversário, sucumbente, não fosse órgão estatal”.

O argumento contrário à condenação da Fazenda ao pagamento de honorários no mesmo patamar que o particular é o interesse público, porque, em última análise os honorários seriam pagos pela população…

Ocorre que o privilégio aqui combatido não atinge somente a parte que litiga contra a Fazenda Pública ou alguns particulares, mas uma coletividade, uma infinidade de pessoas que buscam a tutela Jurisdicional contra o estado.Quando o particular obtém êxito é porque o ato da Fazenda foi ilegal.

                                                Além disso, há argumentos que mesmo não sendo exatamente jurídicos indicam para a condenação da Fazenda Pública como caminho para uma sociedade mais justa: o desestímulo às lides temerárias.

A regra ora em questão (§4°, do artigo 20, da Lei 5.869 – de 11-01-1973 na parte em que privilegia condenações contra a Fazenda Pública, desestimula o exercício da cidadania.

                                                Além disso, afronta o princípio constitucional da igualdade, foi editada sob os auspícios do ato institucional de 1969, uma Constituição Imposta, criada sob a égide do pensamento totalitário, quando não se imaginava igualdade entre o Estado (todo poderoso) e os particulares. 

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, instituída por um Poder Constituinte Originário, todos são iguais perante a Lei, portanto, a condenação sucumbencial no processo civil tem de ser igual para o particular e para o Estado.

Não se pode aqui invocar princípio de Direito Administrativo da prevalência do interesse público sobre o privado.

Em termos de processo civil todos são iguais, até mesmo porque a abertura absurda e discriminatória de possibilidade de fixação de honorários abaixo dos 10% sobre o valor da condenação, com base no parágrafo 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil quando a parte vencida for a Fazenda ACABA COM A REGRA DA SUCUMBÊNCIA.

O que temos visto ao longo de dezessete anos trabalhando em escritório de advocacia, é que praticamente não há sucumbência contra a Fazenda Pública em causas de maior valor.

Isso é desigual, irrazoável, desproporcional e injustificável frente ao princípio da isonomia.

                                                Para ser coerente, ou se declara inconstitucional o parágrafo 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil na parte que diz respeito à Fazenda, OU SE DECLARA QUE O ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO SERVE PARA NADA.

Demais disso, há uma questão de ordem prática muito importante que está em jogo e a aplicação da benesse de não arcar com os ônus sucumbenciais afronta o sistema jurídico na medida que estimula lides e atos temerários dos agentes públicos, que – na pior das hipóteses, terão somente os atos anulados, sem enfrentar os riscos que os particulares têm ao litigar em Juízo.

Recentemente[6] foi editado relatório do Conselho Nacional de Justiça, no qual consta como maior litigante o Poder Público.

É óbvio que se a Fazenda Pública não fosse privilegiada por aqueles que aplicam a regra citada fixando honorários advocatícios no mais das vezes irrisórios e desproporcionais, o Judiciário não estaria tão abarrotado de processos e recursos estatais, os quais no mais das vezes são meramente procrastinatórios.

Já está na hora de se desestimular atos como os que estão sendo objeto da presente lide através da condenação firme e proporcional aos danos, da Fazenda Pública.

Portanto, está na hora de se declarar inconstitucional o parágrafo 4º, do artigo 20 do Código de Processo Civil, na parte relativa às condenações em que for vencida a Fazenda Pública, o que obriga os Juízes a condenar a Fazenda Pública em honorários mínimos de 10%, seja pela real inconstitucionalidade, seja pelo benefício social de tal decisão.

 


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.41.

 

[2] DONADEL, Adriane… [et. al].As garantias do cidadão no processo civil: relações entre constituição e processo. Org. Sérgio Porto. Porto Alegre: Licraria do Advogado, 2003, p. 63.

[3] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os Princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975, p. 25.

[4] TUCCI, Rogério de Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e Processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 40.

[5] GRINOVER, ob. cit., p. 40/41.

[6] http://www.jf.jus.br/cjf/outras-noticias/2011/marco/ministro-peluso-propoe-medida-para-combater-morosidade