Filantropia, Gratuidade e a Imunidade do artigo 195, parágrafo 7º, da Constituição Federal de 1988 para as entidades de saúde

O presente estudo tem por objeto uma breve análise do requisito gratuidade para as entidades de saúde, exigido para a fruição da imunidade às contribuições para a seguridade social, prevista no parágrafo sétimo, do artigo 195, da Constituição Federal, em razão do constante questionamento da chamada “diferença de custo do SUS”.

Primeiramente temos por obrigação científica identificar o instituto jurídico como imunidade, muito embora a redação do parágrafo sétimo, do artigo 195, da Constituição Federal traga a expressão isenção. Além desta primeira ponderação, trataremos como sinônimos: entidades beneficentes e entidades filantrópicas, mesmo conhecendo a diferenciação doutrinária e jurisprudencial.

Dito isso, cumpre adentrar no mérito desta questão tão controversa, firmando, inicialmente, as premissas básicas para a conclusão final, mesmo sem se tratando de um estudo resumido, de que a diferença dentre o valor pago pelo SUS e o custo do procedimento é gratuidade para os fins do artigo 195, §7º, da Constituição Federal de 1988.

Primeira premissa: o SUS dá prejuízo.

Em geral, a cada R$100,00 gastos em um atendimento, o SUS remunera R$55,00. Ou seja: em média cada atendimento pelo SUS causa um prejuízo de 45%[1].

Prova disso é que o próprio Governo Federal, por sua Agência Reguladora dos planos de saúde, a ANS, criou uma tabela para ressarcimento ao Governo Federal dos valores gastos pelo SUS no atendimento de pacientes que possuem plano de saúde.

Para os que desconhecem o preceito, a Lei 9.656, que dispõe sobre os planos de saúde, em seu artigo 32[2] prevê o ressarcimento ao Governo Federal dos valores gastos com atendimentos pelo SUS realizados a pessoas que sejam beneficiárias de planos de saúde.

Esta tabela, criada pelo Governo Federal, conhecida por TUNEP(Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos), possui valores maiores que os pagos pelo SUS e este fato é prova que os valores pagos pelo SUS não cobrem os custos.

Caso os valores pagos pelo SUS fossem justos (custo + margem de lucratividade) as operadora de planos e seguros de saúde deveriam ressarcir ao Governo Federal o custo. E o que ocorre hoje é que as operadora de planos e seguros de saúde pagam ao Governo Federal o custo dos atendimentos pelo SUS de seus beneficiários, mas a tabela que o Governo Federal cobra como ressarcimento dos custos é superior ao valor que o SUS paga aos prestadores, o que deixa claro que o custo dos procedimentos pelo SUS é superior aos valores pagos pelo SUS aos prestadores.

Segunda premissa: conceito de entidade beneficente de assistência social

O artigo 195, §7º, prevê que são “isentas” das contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam os requisitos previstos em lei.

Aí surgem várias perguntas[3], dente elas o que são entidades beneficentes de assistência socialquais são os requisitos a serem previstos em lei.

Tecnicamente ressaltamos que o dispositivo trata de uma imunidade. As entidades imunes são intributáveis pelas contribuições de seguridade social, que hoje se resumem apenas à contribuição patronal sobre salários.

O Supremo Tribunal Federal já definiu que esta imunidade não se aplica apenas às entidades filantrópicas, entendidas estas como aquelas que atendem sem nada cobrar de ninguém, mas às entidades beneficentes, que para o Supremo Tribunal Federal são as que, mesmo sem atender totalmente de forma gratuita, praticam gratuidade parcial.

Resumidamente, as entidades destinatárias da imunidade do §7º, do artigo 195, da Constituição Federal são as que, além de não visarem nem distribuírem benefícios, resultados e patrimônio aos associados, atendem de forma parcialmente gratuita.

 

Terceira premissa: conceito de gratuidade

Conforme se denota das decisões do Supremo Tribunal Federal, as entidades beneficentes são aquelas que contribuem para o sistema de assistência social (nas diversas áreas) atendendo parcialmente de forma gratuita.

Mas, afinal, juridicamente o que se pode considerar gratuidade parcial? A Lei 12.101, apesar de todas as críticas que se pode fazer ao seu texto, trouxe um norte para dirimir a questão em vários dispositivos[4].

O principal é o disposto no artigo 10: Em hipótese alguma será admitida como aplicação em gratuidade a eventual diferença entre os valores pagos pelo SUS e os preços praticados pela entidade ou pelo mercado.

Se a vedação é a diferença entre os valores pagos pelo SUS e os preços praticados no mercado, por óbvio que não é vedado se considerar como gratuidade a diferença entre os valores pagos pelo SUS e o custo contabilmente provado.

                                                Entendemos que os requisitos para e educação e a assistência social, previstos na nova regulamentação da filantropia, servem de parâmetro para se interpretar o conceito de gratuidade, especialmente quando a lei considera a meia bolsa (bolsa de 50%) para as instituições de educação complementarem as bolsas integrais para atingir os 20% de gratuidade. Além disso, nos requisitos para a certificação na assistência social são a prestação de serviços de assistência social de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e a quem deles necessitar, porém, a gratuidade tem exceções: casas de longa permanência para idosos ou entidades que trabalhem com habilitação ou reabilitação de pessoas com deficiência, obtém a certificação com a oferta de 60% ao SUAS.

Portanto, o conceito jurídico de gratuidade diz respeito à doação, à contribuição que as entidades beneficentes fazem à sociedade e nesta doação não se pode desconsiderar o serviço prestado com pagamento parcial (a tabela SUS que não remunera nem o custo), no qual a instituição de saúde acaba por doar serviços parcialmente gratuitos à sociedade.

Conclusões

Portanto, advogamos que nenhuma instituição de saúde do país pode perder o certificado de entidade beneficente, muito menos deixar de usufruir da imunidade às contribuições de seguridade social pelo fato do Ministério da Saúde desconsiderar a diferença do “custo SUS”, entendida esta como a diferença entre os pagamentos do SUS e o custo contabilizado dos procedimentos, a título de gratuidade.

Por fim, aos críticos que afirmam que o custo é manipulável, ou que a aceitação de custo individual afronta o princípio da igualdade pois cada prestador tem o seu custo particular, lembramos que este problema é facilmente resolvido aplicando-se como gratuidade a diferença entre o valor pago pelo SUS e o valor constante para o mesmo procedimento, na tabela TUNEP, que é igual para todo o país.

Em linhas gerais são estas nossas idéias, que merecem, para cada instituição, análise e aperfeiçoamento respeitando as peculiaridades: maior ou menor complexidade dos procedimentos, tratar-se de hospital escola, entre outros.

 


[1] Dados divulgados pela Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul – www.federacaors.org.br.

 

[2] Art. 32.  Serão ressarcidos pelas operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus consumidores e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.

[3] Em nossa monografia para a obtenção do título de Especialista em Direito Tributário pelo IBET, identificamos e respondemos cinco questões que emergem do dispositivo: imunidade ou isenção? Quais são as contribuições para a seguridade social abrangidas pelo dispositivo? O que são entidades beneficentes de assistência social? Quais os requisitos que podem ser previstos em lei? Que tipo de lei pode veicular estes requisitos?

[4] Arts. 10, 13 e 18 da Lei 12.101/2009.