Por onde andam os direitos autorais na rede?

Possivelmente você já deve ter se perguntado: de quem é isto que acabo de subir na rede social ou que compartilhei?  A internet é um oceano de desafios para os direitos autorais. Os comentários cruéis que a filha de Robin Williams recebeu em redes sociais quando o ator morreu e a batalha legal travada entre a Wikipedia e o fotógrafo David Slater por uma foto de um macaco voltaram a abrir o debate sobre os limites na net, como noticiou a revista Exame.

No que tange, especificamente, à violação dos direitos autorais, o mundo cibernético, com sua propensão ao consumo de compartilhamento de informações, parece fazer imperar como nunca uma ínfima adaptação à famosa teoria de Darwin: ‘na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se replica’. É justamente na facilidade de encontro de informações, veiculação de produções na internet que assistimos, a cada instante, à violação dos direitos autorais. Ações como a retirada de uma fotografia de um site e utilizada por outro meio de comunicação; a aquisição de música via programas de compartilhamento de arquivos ou simplesmente um texto extraído do website são exemplo violações. Há ainda a violação de dados gráficos que podem ser copiados facilmente com os comandos  “Control C” e “Control V”. Portanto, pode-se dizer que a internet, hoje, é um dos maiores propagadores de violação dos direitos autorais no mundo.

A grande questão da rede é que, muitas vezes, embora alguém seja vítima de uma ação ilegal e tenha direito a recorrer à Justiça, na prática é praticamente impossível perseguir os infratores. A internet se movimenta tão satisfatoriamente rápida que seríamos incapazes de realizar fiscalização que a acompanhasse.

Por outro lado, a violação ao direito autoral foi um tema (mal) tratado no Marco Civil da Internet. O direito autoral, como princípio constitucional que é, não foge à aplicação para o cenário virtual. O § 2º do artigo 19 do Marco, cuja redação é fruto de tensões quando da discussão da lei, condiciona a aplicação da regra restritiva da responsabilidade do provedor a uma “previsão legal específica” que venha a regular as violações de direitos autorais na rede. Tal disposição objetivou postergar a discussão no que diz respeito a tal categoria de direitos. Já a regra do artigo 31 das Disposições Transitórias da lei, entretanto, torna nebuloso aquilo que havia ficado claro no parágrafo antes mencionado – de que até a edição de lei específica, o provedor é responsável civilmente se, notificado por titular de direitos autorais, não retirar o conteúdo. Dispõe tal artigo que até a entrada em vigor da lei especial, a responsabilidade do provedor de aplicações de Internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.

A legislação autoral vigente – Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 – não trata especificamente deste tema; eis que quando de sua discussão, estávamos em incipiente estágio de desenvolvimento do ambiente digital. O direito autoral qualificado, inclusive internacionalmente, como um direito fundamental e humano, não poderia deixar margem à interpretação das mal traçadas linhas do Marco Civil da Internet: a responsabilização do provedor de acesso que não atender a requerimento do titular dos direitos autorais para retirar da rede conteúdo que viole seus direitos.

Em sintonia, os danos morais sofridos pelo autor através da internet – e não só o autor, como qualquer pessoa atingida em sua honra ou imagem (vale reler os dispositivos do Marco Civil para este tema) por meios eletrônicos de transmissão de dados ou imagens – são passíveis de reparação por livre estimativa judicial atento ao juiz à gravidade da culpa do ofensor e às consequências advindas da ofensa à vítima. Não é preciso prova de dano concreto, que na hipótese se presume, haja vista a publicidade inerente à veiculação das ofensas via internet. E qualquer disposição contratual que impeça a indenização é nula, pois os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis (artigo 27). Já os direitos materiais são arbitrados na forma prevista no artigo 102 e seguintes da lei 9.610/98.

Voltando ao que vivemos diariamente – se estivermos falando de conteúdos veiculados através de mídias sociais, como o Facebook, o desafio é ainda maior, eis que em matéria de direitos e privacidade, mudam seus termos de uso continuamente, o que confunde ainda mais o usuário que nem sempre sabe se está sendo vítima de um plágio ou se ele mesmo o está cometendo.

A Wikipédia, no caso da “selfie” do macaco, ganhou a disputa porque os juízes entenderam que a proteção dos trabalhos criativos se limita aos elaborados por humanos e, portanto, não pode ser aplicada a uma fotografia que o animal tirou de si mesmo, embora o aparelho e a ideia tivessem sido do fotógrafo. E, se não há direito de autor, o uso desse conteúdo é livre.

Quando uma pessoa cria um trabalho, por exemplo, ao tirar uma fotografia, tem o direito de autor automático. Quando, por outro lado, a pessoa faz o upload para uma plataforma como o Facebook ou o Instagram, muitas vezes aceita sem ler ou sem entender completamente os termos de uso (possivelmente parte deles em linguagem confusa), os quais preveem a cessão do uso, embora a propriedade continue sendo do criador. Entretanto, para o caso descrito, por exemplo, se um de seus amigos no Facebook pegar essa fotografia e a imprimir para vender, estará configurada a violação de seus direitos autorais. A permissão de uso foi dada ao Facebook, não a ele, e sua autoria sobre a imagem está mantida.

A interpretação da lei se complica quando entra em debate o que em direito se denomina “uso justo”. Tentando traduzir questão espinhosa, o uso justo costuma ser considerado quando estamos mais perto do educativo/informativo que do comercial.

Sobre os novos portais de internet que na prática são “depósitos” de links de outros meios ou publicações, eis outra questão polêmica.  Defendo aqui que, apesar de possivelmente deixar de agradar algumas pessoas (geração de tráfego de visitas com conteúdo que não foi criado por eles) fazer o link de outros conteúdos com um vínculo é legal. Exceção `a isso, no meu entender, seria a questão concorrencial com uso de links da concorrência visando fomenter ilicitamente o próprio negócio (exemplo: proibição que vimos em territorio francês para o Google News que coloca links de outros meios de comunicação concorrentes).

A medida que a tecnologia avança será necessário tomar medidas mais complexas em nível particular para proteger a autoria, por exemplo, mediante a encriptação.

No entanto, “inevitavelmente” a lei sempre correrá atrás da realidade na Internet. Os usuários devem aprender a se proteger e a proteger suas obras, porque é impossível que a legislação avance na mesma velocidade que a da tecnologia. Somado a isso nasce o debate sobre como compatibilizar o importante processo de democratização da cultura – iniciado na “Era Digital” – com o estímulo ao investimento na produção cultural, historicamente protagonizado pelo incentivo às criações. É certo, entretanto, que a solução para esta desafiadora tarefa não passa pela aceitação da rede como um ambiente desregrado, onde tudo é permitido.

Fonte: Última Instância