Momento ideal para inversão do ônus da prova e seus reflexos

Aos leigos que porventura acompanhem essa coluna, inversão do ônus da prova é um direito básico do consumidor, quando este ingressa com uma ação contra um fornecedor de produto ou prestador de serviço. Esse direito significa, em termos práticos, que ao invés do autor provar o seu direito, como é a regra do processo civil, o ônus de provar que não forneceu produto lesivo ao consumidor ou não praticou conduta vedada no CDC é o réu.

O objetivo do legislador ao criar tal medida foi equilibrar as forças entre as partes, a fim de que a prova seja produzida pela parte que tenha maior facilidade em produzi-la. Absolutamente desproporcional a capacidade financeira, de organização e de gestão de uma empresa e seus consumidores. Caso coubesse ao consumidor fazer tal prova, seria praticamente impossível o consumidor provar que o defeito, vício do serviço ou do produto não decorreu por problemas causados por si próprio.

A legislação consumerista estabelece que um dos seguintes requisitos deverá estar presente para deferimento da inversão: verossimilhança da alegação ou quando o consumidor for hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiência. Importante frisar que a inversão não é um instrumento de aplicação automática, ou seja, cabe ao juiz decidir se realmente o consumidor está em posição de desvantagem.

Passemos então a analisar alguns pontos controvertidos na jurisprudência brasileira. A primeira delas é o momento que deve ser decretada a inversão do ônus da prova, posto que a partir daí surgirão alguns reflexos que adiante serão comentados.

A primeira corrente, minoritária, entende que o momento ideal seja o despacho inicial, que o magistrado ao receber a petição inicial deveria determinar a citação e já manifestar-se sobre o ônus probatório, todavia, uma dos empecilhos para tanto é que o réu ainda não teve a oportunidade de manifestar-se, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa.

A segunda corrente é a de que o momento mais adequado seria  no despacho saneador, já que a defesa já foi apresentada, o magistrado já conhece os pontos controvertidos da demanda e pode avaliar também a hipossuficiência do autor. Dentre os adeptos a essa teoria estão Rizzatto Nunes e Luiz Eduardo Boaventura Pacífico. Para esses, trata-se de decisão que refere-se ao procedimento e não ao julgamento do processo.

A terceira corrente que provavelmente possui o maior número de adeptos na doutrina, mas não necessariamente na jurisprudência, é a de que o momento ideal seria a sentença. Dentre os defensores da tese estão Candido Rangel Dinamarco, Nelson Nery Junior, João Batista Lopes e Ada Pelegrini Grinover. Para esses, a inversão do ônus da prova é matéria de julgamento e não de procedimento e portanto, caso o magistrado decidisse sobre a inversão antes da sentença haveria um pré-julgamento da lide.

Mesmo no Superior Tribunal de Justiça há divergência entre turmas.

Vejamos um exemplo que demonstrará que essa questão aparentemente exclusivamente teórica, terá reflexos práticos no processo. Suponhamos que para a solução da lide seja necessária a produção de prova pericial e o autor, cujas condições financeiras são módicas, não possa arcar com os custos sem interferir na mantença de si próprio e de sua família. Caso a inversão do ônus da prova tenha sido deferida antes da sentença, o réu deverá arcar com a mencionada despesa. Caso a decisão fique para a sentença e o autor não possa arcar com a perícia, esse será prejudicado por não ter utilizado o referido meio de prova.

Portanto, no entendimento desse que vos escreve, a inversão do ônus da prova é decisão de cunho procedimental e deve preceder a sentença, o que favorece a ambas as partes que sabem antecipadamente as regras do jogo.

Fonte: Última Instância