O consumidor pessoa jurídica

Para que fique caracterizada uma relação de consumo, necessário a presença de alguns requisitos legais, especialmente o produto ou serviço à disposição do mercado de consumo, o fornecedor e, por fim, o consumidor.

Nos termos do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Mas, tanto a doutrina como o entendimento jurisprudencial evoluíram e aprofundaram a interpretação do que seria o consumidor como destinatário final de um produto ou serviço.

A teoria sobre o conceito do consumidor mais aceita é a teoria finalista, na qual se interpreta de maneira restritiva o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, considerando o consumidor como aquele que é o destinatário fático e econômico do bem de consumo, pessoa jurídica ou não, desse modo, não utilizando o bem em fomento de outra atividade, ou seja, mesmo sendo destinatário fático do bem, não deve aplicá-lo em cadeia produtiva de um novo bem de consumo.

Contudo, a realidade do mercado e as particularidades dos casos levados à apreciação judicial fomentaram o desenvolvimento de nova interpretação do consumidor como destinatário final de um produto ou serviço, considerando o abrandamento da teoria finalista frente às pessoas jurídicas.

Esse finalismo aprofundado ou a temperança da aplicação da teoria finalista pura permite, em situações excepcionais, a uma pessoa jurídica, adquirente final de um bem de consumo, ser equiparada ou mesmo abrangida no conceito de consumidor por apresentar vulnerabilidade em comparação com o fornecedor. A vulnerabilidade pode ser técnica jurídica e mesmo fática em relação ao bem adquirido, criando situação de clara desigualdade entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica.

Em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.321.083 – PR) a teoria finalista aprofundada que vem sendo aplicadada pela corte deparou-se com novo exemplo: a compra de aeronave adquirida para uso próprio por pessoa jurídica cujo objeto social é a administração de imóveis.

Não obstante a compra de uma aeronave não seja um negócio jurídico que demonstre vulnerabilidade jurídica ou fática, talvez apenas técnica, o Superior Tribunal de Justiça considerou que o uso da aeronave não era para fomentar diretamente o serviço de administração de imóveis, mas para atender necessidade da própria pessoa jurídica, fato que permitiu a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso.

Pode parecer algo estranho que uma pessoa jurídica, ainda que tenha grande porte possa ser consumidora nos termos da legislação, porém, cabe ao julgador procurar aplicar da melhor forma possível a previsão de que o conceito do consumidor também abrange as pessoas jurídicas, logo, não cabe ao julgador repelir integralmente a aplicação do conceito às pessoas jurídicas, mas procurar adaptá-lo da melhor forma possível à realidade.

Mas quais seriam os benefícios de uma pessoa jurídica ter a proteção do Código de Defesa do Consumidor? Será que tais benefícios são de fato tão relevantes para continuar a gerar conflitos sobre a aplicação ou não do Código? Esses motivos serão tema de outro texto.

Fonte: Última Instância